há alguns meses tenho visto duas mulheres apaixonadas se entregando completamente a essa paixão.
se jogaram nesse abismo sentimental sem volta, abriram os braços aos abraços e deram o rosto aos beijos molhados.
todos os dias elas se reinventam, dançam, cantam, contam histórias inventadas. encontram em si mesmas outras tantas mulheres que colaboram para essa conquista diária.
é difícil negar o quanto rejuvenesceram e mais difícil ainda contar os risos que soltam durante o dia ou medir a alegria que se aloja dentro delas.
aos poucos vejo a paixão louca virar amor.
desses amores que nunca esfriam, coisa que realmente se faz difícil frente ao desdobrar do que são elas.
e enquanto descobrem esse novo sentimento, encontram a liberdade de ser elas mesmas. não importa mais se os passos das danças são estranhos ou se a voz que canta não é afinada. o importante é que a paixão perdure, que a conquista desse amor seja legítima e vitoriosa.
que os risos da boca amada sejam mais recorrentes que suas lágrimas.
vivem assim nessa entrega, o corpo todo pertence a esse amor.
e que lindo é ver nelas o reflexo de todo esse doar.
que lindo é ver duas mulheres florescerem através do amor.


fazer pipoca. a cada estouro uma memória ativada.
Querido.

A memória é um instrumento doido que a natureza nos deu. Me deparo às vezes com as lembranças de um tempo antigo. É como se num quebra-cabeças diário algumas peças fossem se mostrando parecidas e fossem se encaixando para me mostrar imagens que guardei em uma caixinha preta escondida no lugar mais obscuro da minha mente.

Hoje foi assim, sentada no sofá, conversando sobre coisas banais e me dá um estalo e me vêm à mente as imagens do seu sorriso, da sua alegria contagiante e do seu mistério que condena meu coração. Vêm também aquelas das quais quero me proibir de lembrar, porque me dão saudade, porque me lembram do quanto pude ser eu mesma perto de você. Essas lembranças repentinas mudam o rumo dos meus dias e das coisas que faço ou imagino fazer. Indiretamente, o lampejo do acaso das lembranças suas que cabem a mim, me faz voltar no tempo e pensar quem fui e em quem tenho me transformado. E me alegro em perceber que tenho tentado ser melhor, mesmo sem saber muito o que melhor pode querer dizer.

Mas não se preocupe, querido. As lembranças suas logo me levam à outras, de outras gentes, de outros tempos e logo me esqueço outra vez. 
A memória é um instrumento doido que a natureza nos deu.


Beijos meus. Estes que já foram seus.
estar no interior é buscar o interior?

hoje na feira tinha "melão graudão".
"mai que delicadeza cê é".
e na padaria o pãozinho é "filão".


os encontros dessa cidade onde a avenida São João não cruza a Ipiranga, são tímidos.

por isso os amigos rapidamente vão se pendurando pelas paredes da nossa casa, espiam pela janela, dormem sobre a escrivaninha, sobem pelas prateleiras, sentam ao nosso lado na rede.....parecem querer salvar-nos dessa timidez, parecem querer dizer que sigamos, que o rumo é certo, que estão com a gente.
não largam nossa mão.
todos os dias eles respiram junto, olham o que vejo, seguram minha alma, apoiam meu coração.

amor a gente sente de longe. ainda bem!

















a euforia que toma a alma frente aos espasmos do corpo dormido.
uma mão sob a cabeça a outra sobre os quadris.
o descanso da respiração, o descaso dos pés que chutam, aflitos pés reflexivos.
um sono leve, um corpo tenso.
por onde vagueiam esses sonhos? esses segredos do sono, da completude do descanso.
a mente anda por ai, as mãos não se movem, o rosto relaxa.

você dorme.
a nossa cozinha cheira manga.
deve ter amadurecido durante a noite passada, quando já estava um pouco mais quente que a outra, a antepassada. manga tem cheiro doce, deixa a cozinha gostosa.

cheiro a gente também come.

costurar é um exercício de ser gente.

veja bem, você está fazendo a última costura daquela roupa complicada, termina, tira a peça da máquina com alegria e quando vai checar o trabalho feito, percebe que a linha da bobina acabou no meio da costura.
é.
ai você para.
respira fundo e vai encher a dita cuja pra terminar aquele restinho de costura.
restinho de amor. restinho de ninho. restinho de sonho. restinho de saudade. restinho de alegria. restinho de tristeza. sempre sobra algum fiozinho pra arrematar. dá o nó.




negócio é que nesse deserto caipira quando vem tempestade, vento destelha as casas. chove, inunda tudo.
e é assim por alguns dias. até que volta a ser deserto.
o ar parado, o calor, a sequidão. mas continua tudo bonito.
o verde ainda é verde. os pássaros alaranjados.
é a calmaria mais linda de se ver.
eis que começo a pensar que tudo faz sentido.
há deserto em mim.
e quando bate a ventania, destelho e procuro rumo com o vento.
agora, olhando assim de perto esse meu deserto tempestivo, me parece, assim de leve, que vem chegando a calmaria.
benzadeus! já escuto a viola caipira.


vamos combinar assim:
eu fico aqui à espera, quietinha dentro de mim. fico sem caber no corpo que vive à deriva. fico estagnada dentro de todo o movimento dele. fico esperando que a sua saudade chegue, que chegue com um recado até mim. qualquer palavra, qualquer suspiro, qualquer 'ai' vai me fazer mais feliz nesse silêncio sem fim da imensidão que me habita. eu espero, o corpo vai. estou de olhos fechados e coração aberto.

vem logo.
"assovia o vento dentro de mim.
Estou despido. dono de nada, dono de ninguém, nem mesmo dono de minhas certezas, sou minha cara contra o vento, a contravento, e sou o vento que bate em minha cara."

galeano