SOBRE A INÉRCIA
Sua nuca molhada, seu cabelo frio. Nada é meu, mas sou completa. O que resta não importa. O que é. O que tem, não quero. Sou. Meus pés se perdem. Meu rumo muda outra vez. São outros olhos, outra boca. É outro pavor. Em meu sangue corre o tesão pela vida. E corre a vida. Corre. Ando nua.
E vem o homem maltrapilho, eu amo. E vem a mulher da saia roxa, apaixono. E vem a menina branquinha, eu canto. E vem o boné saltando, eu quero. E vem os cabelos brancos, eu gosto. E vem a banda tocando mambo, ah! como amo! Eu amo, amo e amo. E apaixono e morro e quero e grito!

Estou tão fora de tudo isso. Desse mundo estranho, dessa gente chata. Tão fora, que acabo por saber que sou eu a estranha dessa história toda. E eu que amo tanto, sei que amor nao basta. Sou cheia demais. Cheia de desespero. Cheia de falta de coragem. Sem cacife algum para dizer simples NÃO. Sou rara. E sei que assim ser nao melhora nem resolve nada. Me pergunto. As perguntas me perguntam. Estou cansada. Sou cansada. E eu não me esforço. Nem quero. Me acostumei. São 20 anos. Foram todos assim. A vida é intensa. É imensa. É sem fim.
Esse caminho torto ainda me levará até mim. E nesse dia gozarei alegria. Serei, enfim, desmascarada. Será transparência, brancura e paz. Espero. Navego nesse barco que vai por um rio manso. Mas mansas não são suas tempestades. Passe logo, trovoada louca. Passe e derrube o mundo, mas aqui ainda estarei. Sobre esse barco raso ou sob essa água mansa, aqui estarei.
SOBRE A INÉRCIA
CAP. I
Fazia calor. Culpa do asfalto e do cimento. Calor. E o céu branco ameaçava. A quem? Por ali vinham milhares. Corriam sobre as linhas tracejadas. Suavam. Agora não corriam mais. Já não choravam. Eram tantos. E pararam. Só o calor não parou. Tudo ficou ali, sem sentido. Já não havia espaço, já não havia por que. O caminho já não era. A paciência também não.
Um a um, os homens que caminhavam sentados, levantaram. Colocaram os pés no chão e decidiram ir andando. Cada um para seu caminho. Cada caminho pra seu lado. E todos sempre juntos. Quantas bobagens pensaram até ali. Quanta coisa que começava a mudar.
Esse era o momento que esperaram sempre sem saber. O fim que era começo. O medo. O desespero. O passo
Os pés seriam obrigados a suportar. A fome, a tremedeira, o medo, tudo tinha que ficar quieto. E quanto barulho. Agudo. Ensurdecedor. Enlouquecedor. O asfalto queimava, cheirava a borracha no fogo. Fedia. O suor derretia. O homem fazia barulho. Ou seriam os filhos do homem? Cansaço. Fadiga. Morte. Ali morreu muita gente. O darwinismo aplicado, a guerra.